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"Bebu pôs um pouco de cerveja no copo e continuou falando:
- É isto: o Bem e o Mal. O prefeito acha que os bancos do jardim devem ser colocados diante da igreja: isto é o Bem. O homem da oposição acha que eles devem ficar em volta do coreto? Isto é o Mal. Entretanto...
- Bebu, deixe de ser chato.
- Não amole. Você sabe a minha história. Fiz uma revolução contra Deus. Perdi, fui vencido, fui exilado; nunca tive nem implorei anistia. Deus me venceu para todos os séculos, para a eternidade. É o prefeito eterno, ninguém pode fazer nada. Agora, se tem coragem, imagine isto: eu saio de meu inferno uma bela tarde, junto meu pessoal, faço uma campanha de radiodifusão, arranjo armamento, vou até o Paraíso e derroto aquele patife. Expulso de lá aquela canalha, todas aquelas onze mil virgens, aquela santaria imunda. O que acontece?
Eu não respondi. Irritava-me aquele modo de falar. Bebu continuou com mais veemência:
- Acontece isto, seu animal: não acontece nada! Você reparou quando uma revolução vence? Os homens se renderão diante do fato consumado. O Bem será o Mal, e o Mal será o Bem. Quem passou a vida adulando Deus irá para o inferno deixar de ser imbecil. Eu farei a derrubada: em vez de anjinhos, os capetinhas, em vez dos santos, os demônios. Tudo será a mesma coisa, mas exatamente o contrário. Não precisarei nem modificar as religiões. Só mudar uma palavra nos livros santos: onde estiver "não", escrever "sim", onde estiver "pecado", escrever "virtude". E o mundo tocará para a frente. Vocês não seguirão a minha lei, como não seguem a dele; não importa, será sempre a lei."
(Rubem Braga, "Eu e Bebu na Hora Neutra da Madrugada", In Um pé de milho)
Karla
às 14:46 ::
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